Num início de Outono com temperatura de Verão, as ruas cheias de Alfama fizeram lembrar os Santos Populares, nestes dois dias de Santa Casa Alfama, com os festivaleiros misturados a cada esquina com quem passava, jantava ou vendia o que podia.
Espalhado por doze palcos, da humilde coletividade de bairro à opulência de um auditório de advogados, passando por igrejas e o verdadeiro palco de festival, no Terminal de Cruzeiros, o festival de Alfama partilha a lógica do Super Bock em Stock, acrescentando-lhe um pormenor que só lhe traz calor humano: os espaços ao ar livre, que lhe dão vida entre aqueles que amam o fado e, mesmo sem comprar bilhete, assistem do lado de fora, até mesmo aos grandes nomes.
Consagrados, vozes promissoras e até nomes mais improváveis fizeram parte do cartaz, como Júlio Resende, que na Igreja de São Miguel deu um espetáculo único, até porque improvisado, mesclando jazz e fado, perante lotação esgotada.
Também o Fado à Janela, numa varanda do sempre repleto Largo de São Miguel, mostrou que é mesmo verdade que em equipa que ganha não se deve mexer, algo que certamente voltará a acontecer na próxima edição, já anunciada para setembro de 2024.
O Palco Bogani, no Grupo Sportivo Adicense, também se encontrava na temperatura certa, quando o visitámos ainda na primeira noite, durante a atuação imaculada de Conceição Ribeiro, de onde seguimos para o Palco Amália, a tempo de ouvir a participação de José Cid, como convidado de Mário Lundum. Pelo caminho, tempo ainda para dar atenção a Francisco Salvação Barreto, na Esplanada do Museu do Fado, porque o Santa Casa Alfama é mesmo assim, com muito a acontecer em simultâneo e a vida é feita de escolhas.
Com isto já decorria a Homenagem a Hermínia Silva, por Anabela, FF, Filipa Cardoso e Lenita Gentil, a que se seguiu Camané no palco principal, que, como seria de esperar, justificou o seu lugar no alinhamento, a fechar a noite.
No segundo e último dia, Em Casa D’Amália passou pelo rooftop do Terminal de Cruzeiros. O destaque no elenco foi para Raquel Tavares, num regresso aos palcos nacionais e com o público a demonstrar todo o carinho que tem por ela.
Também num terraço, mas muito mais acima, no Memmo Hotel Alfama, Teresa Brum, acompanhada por uma lua extraordinária, deliciou o restrito número de espectadores. E com o cair da noite, era tempo de voltar a descer Alfama, rumo ao palco principal, a que a Santa Casa não só deu o nome, como mostrou trabalho, através da interpretação das atuações em língua gestual, algo que só pode vir a tornar-se regra e não exceção.
No caminho para o fim, seguiu-se a enorme Teresa Salgueiro, a que seguiu Sara Correia, que apesar de não precisar, confirmou que é um dos trunfos com que se vai jogar o futuro do fado. Aos 30 anos, a menina de Chelas fechou ali um ciclo, com novo álbum aí a rebentar e terá sem dúvida aberto o apetite para os Coliseus, em março do próximo ano.